Em primeiro lugar me chamo Helen Rose e gostaria de compartilhar coisas que re(descobri) em 2020 atravessando o Atlântico.
Ao longo de meio século de vida tive muitos aprendizados, teóricos e práticos, mas morando sozinha em outro país tive a oportunidade de reavaliar alguns conceitos sobre o processo de autoconhecimento. Então, fiz uma lista com os 10 pontos que considero que foram importantes para superar as adversidades do turismo, intercâmbio e sabático durante a pandemia. São eles:
1º) Confiança
Em muitos momentos da minha vida ficava em dúvida sobre fazer ou não alguma coisa, com medo de errar ou do julgamento das pessoas. O ponto principal foi não desesperar, tomar todos os cuidados e sonhar com dias melhores.
2º) Superar o medo
Além disso, tive muito medo de não conseguir aprender inglês, porém, aos poucos fui relaxando e na segunda semana já estava mais tranquila, aceitando o meu tempo de aprendizado.
3º) Aceitar ajuda
Aprendi com a minha família a ser independente, não esperar ajuda de ninguém e a resolver os problemas sozinha. Mas quando se está sozinha em um país
4º) Alimentação
Não tenho restrição alimentar, adoro pimenta e não senti falta da comida brasileira.
5º) Inteligência emocional
O que fazer nas situações difíceis, equilibrar tristeza, dor e alegrias. Principais emoções durante a vivência na África do Sul.
6º) Flexibilidade
Precisei colocar de lado alguns conceitos que levei na bagagem para conviver melhor com as pessoas.
7º) Resiliência
Desespero com o lockdown durou apenas alguns dias, logo consegui superar a frustração de ficar três meses sem sair de casa.
8º) Pensamento sistêmico
É a base para aproveitar melhor as adversidades da vida. Meditava todos os dias e assim consegui ter calma para evitar o desespero.
9º) Diversão
Sorrir em situações de doença e restrições não é fácil, mas o autoconhecimento possibilita viver também com leveza.
10º) Não sentir culpa
A pandemia atingiu todos os países e milhões de pessoas, mas aprendi que não é necessário ostentar felicidade e respeitar a dor das pessoas. Ter cuidado ao postar fotos nas redes sociais, mas também não sentir-se culpada por estar bem.
Helen Rose
Helen Rose, viajante do tempo, praticante de yoga e meditação, historiadora, pesquisadora independente de estudos africanos e relações raciais no Brasil.
Por fim, se você gostou, gostou desses aprendizados? Compartilhe conosco o seu texto bitongatravel@gmail.com
Antes de tudo, quando descobri que meu cabelo afro milita e em uma perspectiva de gênero feminino, é de extrema importância começar esse texto com uma definição do que é ‘cabelo’. Afinal, é apenas um artifício de beleza? Me frustrei na pesquisa do Google, pois só apareceram imagens de cabelos longos e lisos de pessoas brancas. A pesquisa foi uma furada, mas descobri que meu cabelo afro milita.
É fato que por muitos anos fomos reféns de uma beleza padrão que não existe e muito menos se adequa aos diferentes tipos de identidade. Nos Estados Unidos, Madam C. J. Walker, lá pelos anos 1880, já empreendia técnicas e criava químicos que as mulheres negras pudessem usar pra ter um cabelo mais “bem apresentável” ou ao menos parecido com o de mulheres brancas. E ao longo dos anos essa ideia e tipo de empreendimento permaneceu. A indústria de cosméticos continuou criando produtos para alisamento dos cabelos crespos e cacheados. Os cabelos fora do padrão que precisavam ser domados.
A infância
Como muitas mulheres negras, eu já usei cabelos alisados. Aliás, da minha infância (12 anos) até a vida adulta (30 anos), eu não conhecia meu cabelo original, não sabia como era meu fio, meu tipo de cabelo. Morava no interior da Bahia, em Feira de Santana, e pouco discutimos raça e muito menos nos sentíamos à vontade pra usar o cabelo natural. Já não conhecia meu fio, morria de medo do que podia me esperar se abandonasse todos os artifícios possíveis para deixar meus cabelos lisos e ‘bonitos’ como o das pessoas brancas e como era esperado de mulheres negras.
Comecei usando um tipo de relaxamento que prometia deixar meus cabelos soltos, mesmo sendo um produto agressivo, que ardia meus olhos e às vezes feria minha cabeça, era melhor que ser natural e ‘feia’. Feia, foi assim que fomos descritos durante muito tempo, ser negro é feio. Levou muito tempo para descobrirmos nossa beleza e assumir nossa identidade.
Passei por vários produtos químicos nessa jornada pelo cabelo “perfeito”, inclusive, por muito tempo alisei como nossos ancestrais, no ferro aquecido no fogão. O problema do cabelo de ‘ferro’ era a chuva. Cheiro de cabelo queimado que deixava era terrível e ainda mais humilhante, então, permaneci na química.
Guanidina, amônia, relaxamento, alisa e tinge e tantos outros fizeram parte da minha vida até 2017, quando mesmo escovava meus cabelos. Já não usava química, mas escovar e pranchar era minha rotina de final de semana. Trabalhava nele até ficar lisinho no estilo Kardashians.
Meu cabelo minhas regras
Então, foi em 2017, que resolvi me conhecer, tomar conta do meu cabelo. Fiz um post na rede social com o cabelo natural, dizendo que usaria meu cabelo como quisesse, fosse alisado ou natural. O post era um recado aos amigos que não paravam de fazer pressão pra que eu naturalizasse o cabelo. Depois de muito tempo, após esses posts de ‘cala a boca’, como a gente diz por aqui, resolvi cortar o cabelo.
Cortei curtinho e adorei, mas sabia que ali ainda não era meu cabelo, ainda tinha química. Foram precisos mais três cortes pra realmente conhecer meu fio. Não foi difícil aceitar. Amava aquilo, fazer carinho na minha própria cabeça e reconhecer quem eu era ali e pensar porque me neguei por tanto tempo.
Cabelo afro feminino no mercado de trabalho
Já ouvi dizer que mulher de cabelo afro não consegue emprego, e a gente sabe que em muitos lugares isso é verdade. Assim como também é verdade sobre o preconceito com cabelos trançados, dreads e outros modelos de afro hair. Sim, estou na cidade com a maior quantidade de negros do Brasil – Salvador, conhecemos nossa história desde o Daomé. Conseguimos nossa libertação com armas na mão, e não com a pena da Princesa Isabel, mas ainda assim, a cor da pele e o cabelo ganham mais destaque que nossa inteligência e articulação.
Atuo com negócios e administração, trabalho como liderança. Lido com clientes do país inteiro, viajo e faço reuniões com pessoas de fora do país. Participo de eventos no Brasil inteiro, onde muitas vezes olho para o lado e não vejo um semelhante. Não tenho motivos pra me orgulhar disso, pelo contrário, queria ver mais gente preta ocupando esses espaços. Mas não me abato, seguro firme e penso que preciso guardar lugar pra que novos negros possam chegar ali.
Cabelo afro milita
Descobri que meu cabelo afro quem milita, especialmente quando vejo e ouço pessoas pretas querendo ocupar aquele lugar quando me veem ali com meu black ou minhas tranças.
Em Salvador, o cabelo das mulheres fala por elas e a riqueza de cortes, penteados, tranças e toda a infinidade de possibilidades é um encantamento. Mas não, nem toda mulher negra é obrigada a deixar o cabelo natural. Nem toda mulher negra de Salvador usa o cabelo afro. Mas entenda, nosso cabelo milita.
Recentemente resolvi experimentar usar tranças, as Box Braids, ou seja, ovamente me apaixonei por mim e pela cabeleira que tô carregando. Desde que descobri que meu cabelo afro milita, continuo deixando meu cabelo militar. Continuo mudando ele como um camaleão, ou seja, vou continuar tentando inspirar outros pretos e pretas a ocupar o espaço.
Agora me diz, o seu cabelo afro na versão feminino ou masculino, milita?
Formada em jornalismo, mas atuando na área de negócios em audiovisual, sou nascida no interior da Bahia, mas resido em Salvador. Um dia ouvi dizer que eu moro onde as pessoas tiram férias, e é a mais pura verdade. Viver em Salvador é ter sempre um ponto turístico na palma da mão, uma cultura pra celebrar e uma boa praia pra pegar um sol. Mas gosto de ir além, de conhecer novos lugares, novas culturas e novas identidades. Quando a gente viaja, sempre traz na mala e no coração um pedaço daquele lugar.
É por isso que viajo. Da Bahia pra conhecer o mundo.
Améfrica entre viagens e escrevivências: como conhecer outros países latinoamericanos me ajudou a encontrar meu tema de pesquisa? por Geinne Moreira
No processo de escrita do meu trabalho de conclusão do curso de Geografia sobre as relações raciais na América Latina, eu fui atravessada por memórias que me levaram para bem antes de quando comecei a refletir sobre minha corporeidade negra diaspórica. Lembrei muito das mulheres negras e nordestinas que mais me dão forças: minha mãe, minha avó, minha irmã e minhas tias. Foram elas que, mesmo não tendo sinalizado sobre como enfrentar o racismo, me ensinaram a ser forte e a lutar, o que eu vejo como uma das maiores referências que tenho sobre (re)exisistência, já que em meio a condições tão duras, além de tudo, me ensinaram o que é o amor. São elas também, as minhas memórias ancestrais e raízes mais profundas, que me dão motivação e força para ocupar e lutar por espaços que historicamente sempre nos foram negados.
Não lembro a primeira vez que falei “eu sou negra”, porém recordo-me profundamente dos impactos do racismo não só na minha trajetória, mas também de outras pessoas negras a minha volta. Junto isso, refletir sobre os processos e os efeitos do racismo, dentre outras coisas, é o que as palavras de Beatriz Nascimento nos descreve:
[…] enfrentar uma história de quase quinhentos anos de resistência à dor, ao sofrimento físico e moral, à sensação de não existir, a prática de ainda não pertencer a uma sociedade na qual consagrou tudo o que possuía, oferecendo ainda hoje o resto de si mesmo.
(1974b: 76 apud RATTS, 2006, p. 39).
Nesse sentido, ser negra no contexto latino-americano é fazer parte de uma frente de batalha constante dentro de sociedades racistas que de todas as formas tenta nos negar e segregar, seja aqui no Brasil, ou na Argentina, Peru, Colômbia, etc.
Lembro que em uma das milhares de palestras que eu vi sobre a questão racial, o Professor Silvio Almeida disse que uma pessoa se torna negra através de duas formas de nascimento: um quando nasce e outro quando passa a se questionar sobre os impactos do racismo em sua vida.
Dentro disso, é dolorido perceber, como nos mostra Franz Fanon (2008), as máscaras brancas que somos obrigadas/os a usar para nos inserir na sociedade e do quanto dentro desse processo há uma autonegação da nossa própria existência, já que para que a inserção aconteça, passamos por diversas imposições e assimilações dos padrões da branquitude, que Neusa Souza Santos (1983. p. 23) nos descreve bem em seu livro “Torna-se Negro”.
Por outro lado, a desconstrução desse processo é um dos maiores atos de liberdade, ou seja, é como se fosse um segundo nascimento, já que a partir daí, passamos por um processo de diluição e desconstrução dos efeitos do racismo através da mudança da forma como nos enxergamos e vivenciamos o mundo, mesmo sabendo que a consciência negra não nos torna isentos do racismo estrutural.
Pensando nisso, lembro-me de cada livro, encontro, texto, poema, música, palestra, filme, teatro, dança, coletivo, atos, manifestações e vivências sobre as relações raciais que passaram por mim, principalmente, através da forma como eles continuam me atravessando e me fazendo refletir até hoje, assim como cada viagem, que ao ir de encontro a conhecer um novo lugar, pude conhecer também lugares dentro de mim mesma. Isso ficou ainda mais forte quando viajei para outros países na América do Sul, pois esse autoconhecimento ampliou ainda mais a forma como eu pude vivenciar a dimensão e diversidade cultural Peru, Colômbia e da Bolívia, que foi o país que eu tive a oportunidade de visitar duas vezes.
É por isso que acredito profundamente no que Conceição Evaristo chama de escrevivência(s), que significa “a escrita de um corpo, de uma condição, de uma experiência negra” (2007, p.20), mas que podemos levar para outro tipo de escala, ligada às experiências negras latino-americano, pois apesar de estarmos em múltiplas particularidades e territorialidades, existem fatores que nos unem, principalmente em relação às lutas contra o racismo.
Junto a isso, escolhi estudar o meu trabalho de conclusão de curso, assim como agora no mestrado, sobre a população negra na América Latina, pensando no que Evaristo nos ensina em relação a importância de romper com a passividade da leitura e buscar o movimento da escrita. Para ela, o ato de ler oferece a apreensão do mundo, já o de escrever ultrapassa os limites de uma percepção de vida: “(…) Em se tratando de um ato empreendido por mulheres negras, que historicamente transitam por espaços culturais diferenciados dos lugares ocupados pela cultura dominante, escrever adquire um sentido de insubordinação” (EVARISTO, 200. p. 20 e 21).
Pensando nas escrevivências, não foi diferente em relação a escolher estudar mais especificamente as relações raciais na Colômbia, pois teve ligação direta com uma viagem universitária que fiz em julho de 2013, em que através de um encontro de estudantes de todos os lugares da América Latina e de algumas outras partes do mundo, pude conhecer algumas comunidades indígenas e alguns dos mais importantes Parques Arqueológicos da Bolívia, Peru e Colômbia.
Foi nessa viagem que aprendi a olhar mais de perto e refletir sobre a minha corporeidade negra latino-americana, principalmente pelo fato de que uma das coisas mais marcantes que acontecia, muitas vezes sem que eu dissesse uma palavra, era a tentativa das pessoas de adivinhar de que país eu era e sempre perguntavam: “Você é brasileira ou colombiana?”. Depois de ter escutado isso algumas vezes, percebi o quanto eu não sabia praticamente nada da história da Colômbia, muito menos sobre a população negra de lá, da qual, eu como uma geógrafa em formação na época, ainda mais estudando dentro de uma das mais importantes universidades da América Latina, nunca tinha ouvido falar sobre tais assuntos nas aulas.
Ao voltar da viagem e ao entrar em uma imersão sobre estudos ligados as questões históricas e geográficas dos negros na Colômbia e de outras localidades da América Latina, como por exemplo, no Chile, Venezuela, México, Peru, Argentina e etc.
Dentro disso, pude constatar que mesmo no Chile, houve um processo de branqueamento tão forte que praticamente apagou vestígios da presença africana, mas os dados demonstram que entre 1540 e 1620, havia muito mais negros que brancos (MELLAFE, 1959 apud NASCIMENTO, 2008, p. 143); na Venezuela a população africana chegou a quantidade de 406 mil habitantes e a europeia, de 200 mil; já o México recebeu, entre os períodos de 1519 a 1650, dois terços de todos os africanos que foram trazidos a força para as terras colonizadas pelos espanhóis, onde em 1570, a população africana do México chegou a 20.569, dos quais 2.000 moravam em comunidades livres chamadas cimarrones (BELTRÁN, 1946, p. 111-2 apud NASCIMENTO, 2008, p. 144); em Buenos Aires na Argentina, no século XIX, mais de um terço da população era negra (RAMA, 1967, p. 15 apud NASCIMENTO, 2008, p. 148); em Lima, capital do Peru, antigos censos mostram que em 1640 havia quinze mil negros, o que correspondia praticamente a metade da população (NASCIMENTO, 2008, p. 147) e nas décadas de 1970 havia mais ou menos sessenta mil negros no Peru (CRUZ, 1974 apud NASCIMENTO, 2008, p. 147); na Colômbia, por sua vez, a população negra chegou a somar 80% da população em 1901 (VELASCO, 1966 apud NASCIMENTO, 2008, p. 143).
Através desses dados, venho pesquisando sobre o tanto de histórias, sociedades, culturas, conhecimentos, tecnologias e múltiplas formas de se organizar vieram junto com as populações africanas, e que por muitas (re)existências a todo tipo de genocídio, nos atravessam até os dias de hoje.
É extremamente importante lutar pela visibilidade e não apagamento das produções de conhecimentos sobre o tema, não só no contexto da Colômbia, mas de toda a diáspora africana presente dentro do continente Americano, que podemos também chamar de Amefricano, como nos mostra Lélia Gonzalez (1988), ao escrever sobre a “categoria político-cultural Amefricanidade” e a experiência comum da população negra nas Américas, onde a autora destaca a ligação e a importância da nossa ancestralidade através das propostas que buscavam alternativas de organização social, como por exemplo, os quilombos no Brasil, que era muito similar ao que acontecia na Colômbia através dos palenques e em outras partes do continente Americano com os cimarrones, cumbes e maroon societies.
É importante enfatizar, que não se trata de trazer um olhar essencialista e fixa sobre a cultura, mas sim o que Gonzalez, como nos mostra Bairros (2000, p.11), aponta sobre reivindicar que essas experiências são patrimônios culturais históricos vindos da África, onde negras e negros deram continuidade até os dias de hoje em toda a diáspora africana.
Escolher estudar as relações raciais na Colômbia através de algumas experiências de viagens pela América Latina, vai de encontro com a importância de desconstruir/descolonizar a ideia da história e a geografia da exclusão da população negra ao reafirma “a produção de uma imagem de território que remete exclusivamente à colonização pela imigração europeia, oculta a presença negra, apaga a escravidão da história da região e assim autoriza violências diversas” (SANTOS, 2007, p. 15). Com isso, a importância do papel de estudos dentro desse tema, e como reforça Santos (Ibid) , no que diz respeito a novas construções críticas, releituras e representações da realidade, para não reforçar os padrões perversos e violentos impostos pelas estruturas de poder que sustentam o racismo.
Geinne Monteiro de Souza Guerra
Nordestina, nascida em Juazeiro na Bahia, migrante em São Paulo, viajante do mundo, educadora, mestranda em Geografia Humana (USP), membro-fundadora do Núcleo de Estudantes e Pesquisadoras Negra do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (NEPEN GEO-USP). Atualmente realiza pesquisa ligada às relações raciais da população negra na América Latina.
EVARISTO, Conceição. Da grafia-desenho de minha mãe, um dos lugares de nascimentode minha escrita. Marcos Antônio Alexandre, org. Representações performáticas brasileiras:teorias, práticas e suas interfaces. Belo Horizonte: Mazza, 2007.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveira- Salvador:
NASCIMENTO, Elisa Larkin. Lutas Africanas no Mundo e nas Américas. A Matriz Africana no Mundo. Elisa Larkin Nascimento (org.). São Paulo: Selo Negro, 2008. Sankofa: Matrizes africanas da cultura brasileira. Disponível em:
RATTS, Alex. Eu sou atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. Imprensa Oficial, São Paulo, 2006. Disponível em: <https://www.imprensaoficial.com.br/
SANTOS, Renato Emerson dos. Diversidade, espaço e relações étnico-raciais: O negro na Geografia do Brasil. Apresentação. Org. por Renato Emerson dos Santos- Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
SOUZA, Neusa Santos. Torna-se negro: As vicissutudes da identidade do Negro
Brasileiro em Ascensão Social. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983. Coleção Tendências;v.4.
O ano 2020 foi instituído pela Organização Mundial da Saúde(OMS) e Organização Pan-Americana de Saúde(OPAS), como o ano internacional da Enfermagem e Obstetrícia. Mediante a este marco iremos apresentar ou relembrar 12 enfermeiras negras negligenciadas na história para conhecer.
Não foi à toa que se instituiu este ano para esta celebração,
mas por duas razões: o mundo precisa de mais de 9 milhões de enfermeiras(os) e obstetrizes
para atingir a meta de cobertura universal de saúde até 2030. E pelo 200º aniversário
de nascimento da Florence Nightingale – a fundadora da enfermagem moderna.
No dia internacional da Enfermagem, 12 de maio, escrevo este texto com um histórico racial para que pensemos enfermeiras negras, que talvez não nos contaram nas aulas de história da enfermagem ou que no nosso dia-a-dia são negligenciadas devido seu estereótipo racial.
A enfermagem é conhecida como a arte do cuidar. E vamos trazer o histórico de mulheres negras tiradas forçadamente da África para o mundo, sendo submetidas a situação de escravidão e prestação do cuidado à todas as pessoas da sociedade colonial, em situações de manutenção da saúde ou na doença em todas as etapas do ciclo de vida. Neste contexto de escravidão nota-se que essas mulheres negras muitas vezes eram impedidas de cuidar de outras pessoas escravizadas e familiares, pois o cuidado exercido por estas mulheres negras no período colonial tinha como função social a servidão escravocrata. As mulheres negras prestavam o cuidado como negras domésticas, mães pretas, parteiras, enfermeiras e amas-de-leite.
No Brasil não seria diferente, o cuidado é/era exercido majoritariamente por mulheres negras. Atualmente no país há cerca de 3,5 milhões de profissionais da saúde, e aproximadamente 50% são da enfermagem, destes 86% são mulheres e 53% são negras e negros.
Neste texto gostaríamos de apresentar 12 mulheres negras que atuam como enfermeiras que fizeram e fazem parte da nossa história à nível mundial.
Mary Jane Seacole – Enfermeira negra jamaicana atuante na guerra da Crimeia, isso mesmo, a mesma guerra onde se tem o destaque para Florence Nightingale. Mary aprendeu através dos ensinamentos de sua mãe negra que praticava cuidados através da medicina tradicional, assim como o tratamento aos doentes e combate às doenças endêmicas. Em 1854, inscreveu-se para participar da equipe de enfermagem da Florence para cuidar dos soldados feridos da Guerra da Criméia, porém não foi aceita, apesar das cartas de recomendações dos governos da Jamaica e Panamá.
Um não, não é suficiente para barrar uma mulher negra, Mary Seacole arrecadou fundos para viajar por conta própria à frente de batalha. Com o dinheiro que obteve montou o British Hotel onde vendia comida e bebida aos soldados para custear as despesas do atendimento a doentes e feridos dos dois lados, teve como nome – Mãe Seacole.
Mary foi ignorada no Memorial da Guerra da Criméia, em Londres
em 1915, até ter sua autobiografia encontrada em um sebo. Onde foi homenageada
no Reino Unido e na Jamaica, onde dá nome à sede da Associação Jamaicana de
Enfermagem.
Ressaltamos a história de Mary Elisa P. Mahoney, primeira mulher negra americana diplomada enfermeira pelo New England Hospital for Women and Children, em Boston
Na história Brasileira, também temos a guerra e neste caso a do Paraguai e a enfermeira branca destaque – Ana Neri a percussora da Enfermagem no Brasil, como destacado na literatura. A guerra do Paraguai se deu no período da escravidão, ou seja, muitas mulheres negras enfermeiras estavam envolvidas porém com suas histórias negligenciadas.
Maria Jose Barroso, depois conhecida como “Maria Soldado” foi uma notória enfermeira de guerra. Atuou na guerra civil da revolução constitucionalista de 1932, inicialmente, seus feitos e posicionamento político eram exercidos como “enfermeira” da Legião Negra, posteriormente passando a atuar na linha de frente de batalha. Maria Soldado, é considerada a precursora da enfermagem moderna no Brasil. A mesma não ingressou em uma instituição de nível superior para diplomação em Enfermagem, pois não tinha os requisitos de ser a mulher ideal para compor a enfermagem profissional no Brasil por não ser “branca, culta, jovem e saudável”, assim excluía – se as mulheres negras.
A profissão de enfermeira para mulheres negras no Brasil foi negada durante 2 décadas 1920 e 1930, ou seja, na primeira escola de enfermagem, Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, pertencendo à Universidade do Rio de Janeiro – UNI-RIO, mulheres negras não eram bem-vindas.
Lydia das Dores Matta, Josephina de Melo, Lucia Conceição e Maria de Lourdes Almeida no ano 1943 na cidade de São Paulo, são as primeiras negras oriundas de estados pobres e distantes a ingressarem no Curso Básico de Enfermagem na Universidade de São Paulo, a escola de maior projeção da América Latina na época a ingressarem na universidade assim como formam-se en Enfermagem. A escola de enfermagem da USP foi criada em 1940, 3 anos depois ingressam as primeiras negras a cursar a universidade.
Rosalda Paim iniciou o curso em Enfermagem em 1947
pela Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa – EEAAC da Universidade
Federal Fluminense – UFF, na época denominada Escola de Enfermagem do Estado do
Rio de Janeiro, graduando – se em 1950. Com um currículo invejável de especializações,
visava romper com o modelo hegemônico curativista a o trazer conceitos que
ainda não eram discutidos e utilizados no sistema de saúde como, integralidade,
humanização, hierarquização dos serviços, referência e contra-referência.
A trajetória profissional de Rosalda Paim é norteada por
marcos teóricos, sociais e políticos da virada do século XX para o XXI no
Brasil e no Estado do Rio de Janeiro, de modo que a mesma teve um papel de
destaque no processo de modernização da enfermagem brasileira, na formação do
enfermeiro e profissionais de saúde, na democratização brasileira e na mudança
de paradigma na atenção em saúde.
Rosalda Paim, a primeira enfermeira parlamentar e negra do Brasil, exerceu o mandato de Deputada Estadual do Rio de Janeiro, pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT no período de 1983 a 1987. Utilizando-se de sua formação em educação, saúde e enfermagem Paim criou e teve aprovada 20 leis na área de saúde e assistência social, assim ela exerceu uma atuação política notória e importante para a sociedade carioca e brasileira.
A enfermeira negra Izabel Santos iniciou sua trajetória profissional no Serviço Especial de Saúde Pública – SESP ligado a Opas – Organização Panamericana de Saúde na década de 50, onde atuou por 20 anos, posteriormente passou a integrar o quadro de professores Universidade Federal de Pernambuco – UFPB e por fim retoma seu vínculo com a OPAS em 1976, onde atuou como consultora até 1997, assessorando o Ministério da Saúde. A sua contribuição de maior destaque está na formação profissional de enfermagem, sobretudo no nível técnico com a idealização do Programa de Qualificação de Auxiliares e Técnicos de Enfermagem – PROFAE.
Maria Stella de Azevedo dos Santos – Iyalorixá mãe Stella de Oxóssi, iniciou a graduação de enfermagem aos 15 anos de idade, tornou-se enfermeira pela Escola de Enfermagem e Saúde Pública da Universidade Federal da Bahia – UFBA. Após sua formatura especializou-se em Saúde Pública e passou integrar o quadro de enfermeiras sanitaristas da Secretária de Saúde do Estado da Bahia – SESAB em um Centro de Saúde.
Enfermeira e Iyalorixá torna-se imortal em 12 de setembro de
2013 ao assumir a cadeira de número 33 na Academia de Letras da Bahia após ser
eleita por unanimidade. Por essa cadeira que tem o poeta Castro Alves como
patrono, já foi ocupada pelo seu amigo, o também escritor Ubiratan Castro de
Araújo
Dona Ivone Lara formou-se
pela Faculdade de Enfermagem do Rio (atualmente Faculdade Alfredo Pinto, da
UNIRIO). Dedicou-se intensamente à profissão, especialmente à Saúde Mental.
Costumava percorrer as enfermarias e pavilhões do Instituto Psiquiátrico
Pedro II em busca das histórias, referências e laços familiares dos pacientes.
Era uma rotina, que além de dar-lhe satisfação, fazia parte do tratamento
terapêutico.
Prestou concurso público para o
Ministério da Saúde em 1942, antes de ingressar na Colônia Juliano Moreira,
onde atuou por mais de três décadas com pacientes afetados por graves
transtornos mentais. Fazia plantões de 24/48 horas que, segundo ela, eram
desgastantes, mas, ao mesmo tempo, muito gratificantes já que ajudavam a
diminuir o sofrimento dos que procuram as unidades públicas de saúde.
Atuou com Nise da Silveira, psiquiatra brasileira que rebelou-se contra a
lobotomia, eletrochoques e outros métodos agressivo de tratamento de Saúde
Mental, defendendo um tratamento humanizado da loucura. Com Nise,
especializou-se em terapia ocupacional.
Soube combinar a música e as habilidades de enfermeira para ajudar seus
pacientes a enfrentar transtornos mentais. A música funcionava como um bálsamo
consolador nas inúmeras festas que promovia com suas colegas de trabalho. Ela
cantava e dançava com os pacientes e, assim, transformava aquela rotina, tantas
vezes esgotantes, em momentos de felicidade.
E não poderia deixar de mencionar as duas ex-esposas de Mandela que se formaram enfermeiras Winnie Mandela e Evelyn Mase, mas essas histórias ficarão para outro texto.
Não há dúvidas que na nossa história existem muitas enfermeiras negras que fizeram e fazem história e que tem importância política nesta atuação, dispondo-se para serviços de guerras, endemias, pandemias, assim como atuação nas atividades científicas, hospitalares e nas comunidades.
Que essa profissão seja reconhecida e valorizada e com o seu devido destaque para a questão de gênero e raça.
Referência para esse texto foi o excelente estudo de graduação de Cláudio Bonfim de Oliveira Nascimento Junior: BLACK LADIES NURSES?! SIM: Enfermeiras negras e a construção da identidade da Enfermagem no Brasil
Boa parte do tempo não estamos satisfeitos e sempre irá faltar algo e talvez nunca iremos aceitar o porquê tudo isso está acontecendo, temos uma dificuldade em encontrar ou se sentir completas/os.
Darei alguns exemplos de pessoas que encontrei pelo mundo e
eu não compreendia as suas colocações e posteriormente a suas decisões:
— Eu estou cansado de viajar, vou retornar ao meu país!
Kevin, um viajante de bicicleta, que estava percorrendo o
mundo após longa conversa ele sentiu-se seguro em dizer a sua decisão. Nos
conhecemos no Tajiquistão e foi a primeira vez que eu ouvi alguém dizer isso principalmente
quando esta parece a melhor escolha da vida, viajar o mundo com o seu próprio meio
transporte. — Isso não quer dizer que ele parou de viajar, mas aquele plano por
hora foi feito, parar de dar a volta ao mundo.
— Estou num hotel 5 estrelas com tudo pago por 2 semanas. Eu
não queria estar aqui!
A frase da minha amiga Paloma — alterei o nome para preservar
a identidade, após diversas vezes dizer que este era o seu sonho, estar dias em
um hotel 5 estrelas, relaxando.
— Ficar em casa tem sido um saco. Não estou aguentando mais…
A frase mais comum nesta quarentena de norte a sul do mundo.
Sei que todo o mundo já verbalizou por diversas vezes a vontade de querer ficar
em casa vários dias.
Quando digo que temos dificuldade em estarmos satisfeitos é saber que queremos ter sempre algo novo, novidade e talvez em casa não há mais a tal novidade. Mas tenha calma, temos que recriar este novo mundo. A internet vai fichar chata, os filmes estarão sem graça, aliás, já assistimos todos, os livros serão poucos, os challenges serão cansativos. Ao reler e rever a história de Frida Khalo me foi um re-start de pensar como alguém pode viver 18 meses na cama engessada e reinventar a sua vida?
Não estou aqui querendo romantizar essa história ou trazer
toda a discussão sobre a sua vida entre prós e contras, mas pensar que uma
estudante de medicina se descobriu artista, teve que se reinventar. Usar a saia
para esconder as sequelas da paralisia infantil e usada como moda até os dias
atuais.
Frida Khalo teve problemas mentais, não é fácil estar a se redescobrir, reinventar e lidar com o seu eu diariamente, mas poder se encontrar, se ver, se entender e/ou se desentender é necessário.
Quais foram as novas reinvenções da sua vida neste novo momento?
Queremos as nossas vidas de volta, queremos estar com todo o
mundo, queremos essa tal liberdade de ir e vir, eu também! Como estamos nos
reinventando?
Quantas vezes agradecemos pela vida, pelo emprego que ainda temos, pela comida nas nossas mesas, pela oportunidade de não termos contraído nenhuma doença.
Tenho certeza, que quando acabar tudo isso, você no muro das lamentações irá ecoar aquela velha frase:
— Podíamos trabalhar de casa e vir apenas 2 dias na semana;
— Gostaria de ficar em casa todos os dias da semana;
— Odeio segunda-feira…
A diferença é que temos uma dificuldade de estarmos satisfeitos e estamos em busca de mais. Nem sempre o que não nos traz satisfação quer dizer que não seja bom, está apenas acontecendo que teremos que nos readaptar para tomar algumas novas decisões. Agradeça a oportunidade de poder estar quase tudo bem com você e a sua família, se recrie, não desista.
Vamos de poesia? Viajemos pelo universo poético de mulheres negras africanas e poeta. Uma poesia diretamente da cidade de Quelimane, feita por Fátima Abel de Matos
Manacage é a força da natureza
Manacage traz consigo as virtudes da vida
Tu Manacage Lutaste Pela Liberdade
Aqueles que hoje a humilham, não sabem o quanto custo a própria liberdade
Manacage é Ancestralidade
Manacage tu és o elemento Importante na Diversidade
Manacage és a Força viva de se tracejar
Manacage tens uma alma pura condenada em deixar o Próprio véu rastejar
Hoje te tornaram uma Manacage na desgraça nua
Os teus traços lindos perdidos na lua
Não sabes o quanto retardaste a minha Idade
Ah então é assim, nos dias de hoje faz-me perder credibilidade
No meu ventre te tornei um embrião
Ainda deixas mi dormir sem colchão
Porque a minha luz o incomoda é mi colocas no chão
Sou Manacage forte como a montanha, com um coração do tamanho do mar
Acolhedora como a mamã africa, aquela que acolhe todos quando a te chegar
Fatima Abel Matos, nasceu aos 10 de novembro de 1994 na cidade de Quelimane Província da Zambézia – Moçambique. Formada na área de educação de infância e empreendedorismo. Fundadora da Associação das Mulheres Empreendedoras da Zambézia e Associação Raparigas+Visão. Trabalha no Departamento de Recursos humanos, exercendo a função como Técnica de RH na Universidade Católica de Moçambique /Quelimane, também é produtora do arroz orgânico na Zambézia, Ativista social, atualmente frequenta o 4 º ano no curso de Gestão de Recursos humanos na Faculdade de Ciência Sociais e Politica-UCM. Participou em 2019 na coletânea Internacional Intitulada “Mulher e os Seus Destinos “com uma Antologia de Poesia “Ser Mulher”, recentemente no Mês de Fevereiro de 2020 Participou na coletânea Nacional Intitulada “Poemas e Cartas Ridículas de Amor” com uma Antologia “Quero Construir.”
Mulheres negras por elas mesmas – 3 Negras viajantes que inspiram, a história de Dona Elza (mãe), da Odara (filha) e da Andreza Jorge do complexo da Maré para o mundo.
Hoje faz exato um mês que eu Andreza Jorge passei o primeiro dia em uma viagem internacional com minha mãe e minha filha.
Pra muitos esse feito talvez não signifique nada e tudo bem… acho estranho também isso significar tanto pra mim, mas a realidade é que tenho 31 anos de idade e já viajei internacionalmente 5 cinco vezes e todas elas tiveram a ver com minha trajetória e empreitada profissional depois dos 20 anos de idade, nunca foi por lazer simplesmente, como já vi acontecer por aí…
Minha mãe Elza Jorge tem 62 anos e foi a sua primeira viagem internacional, que só foi possível ser assim, por lazer, pq já há muitos anos trabalhou para que eu, hoje, possa viajar a trabalho.
No entanto, Alice Odara, com 5 anos de idade, tem sua primeira viagem internacional por lazer e ao lado de sua mãe e sua avó…
Inimaginável pensar nessa possibilidade se partir apenas de um recorte sobre minha trajetória que é marcada pelas desigualdades ao estamos inseridas… No entanto é também essa trajetória, forjada na maioria das vezes por mulheres e suas histórias que permitiram e permitem que os ciclos se renovem…
Foi preciso, mas eu desejaria profundamente que não, que Dona Tina, minha avó, não tivesse vivido em casa de madame desde sua infância até a vida adulta para criar 6 filhos, foi preciso que Dona Elza tivesse ousado romper com o ciclo de trabalho doméstico que se iniciou aos 14 anos em casa de família para conseguir outras oportunidades para criar 2 filhos e somente por isso, eu hoje acesso a lugares que sempre nos foi negado, para que Alice Odara, possa transcender a experiência única que dizem sobre seu corpo no mundo.
Alice Odara uma criança negra e favelada da Maré, experimenta e experimentará através desse ciclo e força de mulheres que nos antecede…Creio convicta.
Por isso, compartilho aqui tbm, mais uma feita, justo hj, no dia Internacional da Mulher….
Dona Tina, dona Elza e Alice Odara terão em minha vida a realização de um sonho: Ser a primeira da família a fazer um doutorado!!!
Ontem recebi a notícia de aprovação no doutorado na Escola de Comunicação da UFRJ.
É a minha vida que faz a ligação entre trajetórias tão distintas como a da minha mãe e da minha filha, mas somente por elas e pelas que antes foram, que essa trajetória EXISTE.
É assim, sempre tem sido, mulheres negras por elas mesmas…somos muito além do que nos impuseram, pq nós somos circulares e sempre adiante…
Obrigada a todas envolvidas, as mulheres da minha família que entenderam o real significado da vida de Dona Tina e honram essa história partindo desse lugar de pertencimento e JAMAIS elegendo, ao votar em representantes que odeiam tudo que ela representou… Somente a esses familiares eu agradeço, aos outros eu só sinto pena msm.
Agradeço as minhas amigas que compreendem as vitórias individuais como sonhos coletivos e inspiradores…
Será muito desafiador, mas a Dona Tina merece ter uma neta doutora, a Dona Elza merece ter uma filha doutora e a Alice Odara merece ter uma mãe doutora!!!
Aqui quem vos escreve é Rebecca Alethéia, uma mulher negra viajante e cidadã do mundo que neste momento encontra-se na estação ferroviária de Caia, Província de Sofala — Moçambique e retrata mulheres negras viajantes.
Pensar em mulheres negras viajantes como forma de (R) existência é praticamente impossível não conseguir retratar este cenário do qual estou vivenciando, a ferroviária.
Talvez você não saiba que Moçambique tem caminhos de ferros que ligam boa parte do país e que funcionam muito bem, seguros e confortáveis. Decidi encarar essa viagem de comboio para realmente poder ter essa experiência de trem (comboio, como eles chamam por aqui).
Uma curiosidade é que existem muitos trens funcionais por países na África assim como já falei num vídeo no YouTube: trem na África do Sul.
As Mulheres negras viajantes e a sua (R) existência no mundo é algo milenar, tentarei contextualizar melhor sobre. Neste exato momento são quase 3 horas da manhã e adivinha? O trem que iria passar as 22horas atrasou, a previsão de chegada é as 5 da manhã.
A quantidade de mulheres me impressiona, mulheres de todas as idades, todas as religiões, solteiras, casadas, divorciadas e as viajantes com filhos. Engana-se quem pensa que as mulheres negras não viajam ou que apenas viajam as que tem dinheiro. Seguiremos viagem juntas por mais de 10 horas para a cidade de Tete – Moçambique. Esse é o meio mais barato e seguro.
As mulheres africanas trazem consigo particularidades, andam sozinhas, porém sempre juntas. Ela pode vir só, mas irá se juntar à la outras mulheres no intuito de serem mais fortes, de terem apoio, de uma proteger a outra.
Existem muitas mães com os seus filhos, a madrugada sempre é a hora da mamada das crianças, não me impressiona ver muitas delas despertando com uma leveza para dar de mamar aos seus filhos, com uma naturalidade que não há choro, gritos. O único som que ecoa é do bar próximo da estação de trem, que não abala a dormida coletiva na ferroviária.
Dormir no chão é um hábito africano, o sono vem e deitar no chão não tem sido problema, as mulheres para lá de prevenidas colocam a sua capulana no chão, assim como se enrolam com outra capulana para barrar a brisa da madrugada e se proteger dos insetos.
Trazem consigo as suas malas, cestas, trouxas e todos os itens necessários para a sua viagem. sinto-me em um cenário de filme de Hollywood ao ver na madrugada casais de jovens namorados a caminharem pelo trilho a se flertarem e esperarem o trem. Ela vai partir e ele irá ficar…
Existem 3 classes neste trem, 1ª, 2ª e 3ª. Infelizmente as pessoas só têm condições de comprar a terceira classe, mas te digo que a primeira já está cheia. O trem é o meio mais barato de locomoção e para essas mulheres o que importa é chegar.
No mês em que fazemos alusivo ao dia internacional da mulher, escrevo esse relato de história real de mulheres negras viajantes que talvez não seja instagramavel ou ganhadora de milhões de likes, mas que elas estão a se mover, percorrer e pertencer. Não é de hoje, é milenar, mulheres negras viajantes existem, resistem diariamente pelas estradas, rodoviárias, ferroviária e avião.
As nossas vidas são diferentes e precisam ser tratadas com diferenças, especificidades e cuidados, por esses e outros motivos por conhecer que a trajetória de uma mulheres negras tem o seu diferencial e trás consigo muita ancestralidade, os países africanos e continentes nomearam datas específicas para as mulher negras, além do dia 8 de março, por reconhecerem suas particularidades são elas:
30 de Janeiro —Dia da Mulher Guineense em homenagem a Titina Sila, a mesma lutou ao lado de Amilcar Cabral pela Independência da Guiné-Bissau. Foi morta em uma emboscada em 1973. Em sua homenagem, e as outras mulheres que combateram pela independência do país, foi instituído no aniversário da sua morte pelo dia Nacional da Mulher Guineense.
2 de Março –Dia da Mulher Angolana, celebra-se o reconhecimento ao seu papel empenhado na luta de resistência do povo angolano contra a ocupação colonial portuguesa.
7 de Abril — Dia da Mulher Moçambicana, aniversário de Morte de Josina Machel, segunda esposa de Samora Machel primeiro presidente de Moçambique, Josina Machel se juntou à luta armada de libertação ainda jovem e considerada uma heroína de Moçambique.
25 de Julho —Dia da mulher negra latino americana e caribenha, uma data para rememorar a luta de mulheres negras latino-americanas e caribenhas para uma sociedade mais justa. É dia para se relembrar a história de Tereza Benguela, líder quilombola símbolo da resistência contra escravização.
31 de Julho – Dia da Mulher Africana — este dia foi consagrado no ano de 1962 para a reflexão do papel da classe feminina de África na sociedade.
9 de Agosto — Dia da mulher Sul-Africana, essa data surgiu no ano de 1956 quando mais de 20 mil mulheres sul africanas de todos os pontos do país marcharam em direção ao Union Buildings (Palácio Presidencial em Pretória e Sede do Governo) em protesto contra a extensão das leis que restringia o movimento das mulheres.
Nesta ferroviária, são diversas histórias em um único cenário e consequentemente aqui está sendo escrita a minha história de vida, uma mulher negra viajante que (R) existe e que veio trabalhar como voluntaria em Moçambique, com uma mochila nas costas, vivenciando experiências em casas de família que sempre foram muito afetuosas e cuidados para comigo.
Agora eu preciso ir porque o trem acaba de chegar e irei embarcar, embarque você também nessa viagem.
2 de março, é Dia da mulher Angolana, este dia é alusivo em reconhecimento ao papel das mulheres angolanas desempenhado na luta de resistência do seu povo contra a ocupação colonial portuguesa.
Nesta data mulheres angolanas importantes fizeram história como representativos dos feitos heróicos da rainha Ginga Mbandi, num passado distante, e de Deolinda Rodrigues, Irene Cohen, Engrácia dos Santos, Teresa Afonso, Lucrécia Paim e outras célebre anónimas.
A Organização da Mulher Angolana (OMA), criada em 1962 como ala feminina do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), teve uma influência crucial no apoio às forças guerrilheiras dentro e fora de Angola.
No dia da mulher Angolana, destacaremos 4 perfils de Instagram de mulheres negras viajantes angolanas que estão a se mover, percorrer e pertencer. Não é de hoje, é milenar, mulheres negras viajantes existem, resistem diariamente pelas estradas, rodoviárias, ferroviária e avião.
Reconhecer que a trajetória de uma mulheres negras e africanas tem o seu diferencial e muita ancestralidade.
Viajante sola por mais de 23 países, esbanja experiências magnífica ao redor do mundo e pelo continente africano, correspondente Bitonga Travel. Um perfil incrível para se inspirar e se apaixonar por essa mulher é por suas viagens.
Quando me perguntam sobre Caraíva-Bahia a e como é o Carnaval lá, me perco entre expressar meus sentimentos ou dar a informação ou os dois e, às vezes, preciso contar um pouco da minha vivência antes de responder.
Me chamo Karla Almeida, tenho 33 anos e a vida inteira ouvi falarem do verão como se fosse um evento de megas proporções, mas nunca entendi de onde vinha esse fascínio.
Foi somente no último ano morando em Caraíva, uma vila de pescadores com mais ou menos mil habitantes na Costa do Descobrimento no sul da Bahia, que entendi mesmo o que de fato é a época do verão brasileiro e entendi todo o frisson envolvido nessa estação mágica.
Sempre curti muito o Carnaval. Sou natural de Belo Horizonte e antigamente o Carnaval lá não era muito festejado, porém nós últimos 5 anos, BH tem recebido cada vez mais foliões do Brasil inteiro para curtir os tradicionais bloquinhos de rua e micaretas que pipocam pela cidade inteira.
Eu, claro, me jogava e dizia que aquele ali era o melhor Carnaval da vida!
A cidade toda fantasiada, crianças, idosos, cachorros, cadeirantes, ricos, pobres, direita, esquerda festejando e sendo feliz como nunca!
Claro que haviam os problemas que marcam grandes aglomerações de pessoas: roubos, furtos, algumas brigas, mas logo tudo era resolvido e a folia seguia.
Aquilo para mim era Carnaval de verdade.
Então em 2018 comecei a mochilar e conheci novos mundos fora da minha bolha.
Foi na Bahia que entendi e aprendi a amar o verão e tudo o que ele representava: agitação, oportunidade de ganhar dinheiro trabalhando na praia, conhecer pessoas novas e diferentes todos os a e muito sol.
Quando me vi dentro do Carnaval de Caraíva – Bahia então, tudo o que eu sabia que amava no Carnaval de BH, deu um salto quântico.
Ali tinha tudo o que tinha em BH mais o bônus de ser perto do mar e do rio!
Fui jogada dentro de uma energia tão grande de interação, música, sol, mar, pessoas desconhecidas que parecem ser da sua família ou amigos de longa data e paixão que percebi que eu não sabia nada de nada do que é um Carnaval numa praia da Bahia!
O Carnaval de 2019 foi, até agora, o melhor da minha vida.
Foi tão mágico, naquele lugar mágico que ainda hoje sinto em mim a alegria que sentia só de acordar todo dia sabendo que logo mais ia ter bloquinho, Netuno gelado, aqueles amigos lindos que fiz ontem e muita Divindade Faraó para dançar.
Continuei morando em Caraíva – Bahia depois do Carnaval ainda nessa aura de paraíso e lugar perfeito, pois é o que aquela vila é: um lugar onde a energia te faz viver e agradecer todos os dias só por respirar aquele ar.
Estava certa de que o Carnaval de 2020 seria ainda melhor pois eu estaria ainda mais integrada a vila, as pessoas e a Bahia em si.
Mas, de forma inesperada, meus sentimentos foram colocados em cheque nos últimos meses.
Recentemente andaram pipocando casos de assédios, agressões, tentativas de estupro e importunação sexual na vila.
Em um momento estávamos curtindo uma festa linda no dia de São Sebastião, santo padroeiro da região, e no outro, ficávamos sabendo que uma amiga nossa havia sido molestada dentro da própria casa.
Recebíamos diariamente noticias de uma menina que quase foi estuprada na praia a luz do dia ou que outra havia conseguido fugir de alguém que tentou puxá-la para o mato no escuro.
E eu ali no meio dessas mulheres, tão próximas que sofreram coisas que poderiam muito bem ter sido comigo.
E pior, estávamos todas ali convivendo com os agressores todo o momento, já que alguns deles eram homens conhecidos da comunidade e a impunidade para esses casos ainda resiste: ninguém tem coragem de depor contra um morador ou um nativo, já que as represálias são fortes.
Ali, estamos todos em terra indigena, sendo meros colonizadores da terra.
Se essas coisas aconteciam diariamente com as mulheres nativas da comunidade, porque deixaria de acontecer com as mulheres que não são?
O medo, a revolta, a raiva e a tristeza se mesclavam com a magia, a alegria e o que significa morar na vila. E estávamos todos tentando entender o que estava acontecendo.
Eu amo Caraíva. Eu amo as pessoas dali. Eu amo como a energia do lugar trabalhou na minha e mudou toda a minha vida.
Participei de um festival com vivências que foram muito importantes e impactantes na minha vida espiritual. Em uma dessas vivências, acessei memórias de infância onde uma pessoa que eu amava me estuprava. Bloqueei essas memórias ao longo da vida num trauma que me seguiu até a vida adulta.
Ali estava eu, com minhas próprias dores a pleno vapor, com amigas queridas sofrendo, sozinha, no meio do verão baiano bem na terra que me ensinou o que é Carnaval, o que é verão e como é delicioso curtir uma festa na Bahia!!
Não consegui completar outro verão ali. Acordava todos os dias querendo pegar o primeiro ônibus para longe, mas ao mesmo tempo com o coração partido de ir embora antes do Carnaval,mas não conseguia pensar em como meu Carnaval seria mágico novamente sabendo que estava tudo errado ali. Que eu estava errada.
Mas não sabendo se errada de achar que ali era o melhor lugar do mundo ou errada de estragada, desmontada mesmo. Precisando de conserto.
Mesmo depois de um ano desconstruindo e renascendo em Caraíva, eu precisava de um conserto novo: do apego que eu estava ao lugar.
Antes do final de janeiro sai de lá e agora estou em Itacaré. A saída foi como um parto difícil: demorou, doeu, trabalhoso e até o último minuto teve dificuldade, mas consegui.
Meu coração acelera cada vez que vejo uma publicação ou comentário de alguem sobre o Carnaval de lá.
Quase fiz as malas duas vezes e voltei.
A vontade de voltar é grande, mas ainda não curei esse sentimento de ter sido puxada de um sonho tão rápido.
Ainda amo Carnaval. Ainda amo Caraíva. E ainda acho que aquele foi o meu melhor Carnaval até hoje.
Mas eu ainda não tenho a resposta para a pergunta.