Firmamento
Saiu sabendo sua saga. Era tudo, além disso não fazia ideia.
Não andou muito até o primeiro tropeço: olhos embaralhados, mãos nadando no ar, chão, pelo menos agora tudo faz sentido. Seguiu com os joelhos ralados de lembrança e preto (não muito) velho deu a lição: ocê cai porque ocê não pisa firme. Coragem, menina! Ocê já tá longe…
Sarou. Não esqueceu.
Andava pelo fim do mundo procurando o tal firmamento pra guardar na mochila e usar quando precisasse. Passou a caminhar mais devagar, que a noção de tempo, a própria noção do que era ganhar tempo foi ficando lenta e cheia de pequenas paradas pra observar. Trançava as pernas para se sintonizar ao ritmo dos encontros. Falava pausadamente e ouvia prestando atenção ao sotaque e à sabedoria de cada oração que a ela se dirigia. Respondia amem, quanto mais plural, melhor.
Correr mesmo só em beira de água que a pressa sempre era grande pra ser mar ou rio. Era água-viva quando cansava de ser borboleta.
Se percebeu nas outras. Enquanto fosse possível, permanecia junto dos pedaços de alma espalhados em outras pessoas. E ia costurando constelações.
Em fim de jornada emendou outra e outra e outra. Na verdade, era tudo uma só.
Não sabia que tava dentro do globo espelhado, mas não parou mais quando começou a se balançar sobre ele.
A legenda da foto:
Mais uma das pequenas filósofas que eu encontro por aí: Eu gosto do pôr-do-sol daqui porque parece que o céu tá assim pegando fogo!
Em Boipeba – BA
Cores
A gente veste branco pela paz, pela pureza, pela tranquilidade e pela elegância. Mamaim adora exibir filhote com o tenis branquinho. Tem comercial na TV vendendo o branco mais branco. Mas na mochila ele tem me trazido mais preocupação que solução, será que é assim na “vida real”?
Não faz muito tempo eu vestia branco toda segunda-feira. Sufocava o arco-íris que queria sair pela boca e me abrigava na alvejada tranquilidade da vida estável. Eu era feliz de outros jeitos: na sexta-feira, nos aniversários, nos parques, nos sucos e cervejas, com qualquer coisa que desse um corzinha e tentava diminuir a consciência da paleta reduzida pela rotina.
Claramente eu buscava me reservar aos lugares que me eram determinados, apesar de quase nunca caber. Porque, ainda que seja sem consciência, a matrilinearidade transborda em nós e mulher preta na bicicleta ou em nave espacial é sempre mais do que isso.
Foram vários desafios antes de subir no primeiro ônibus com a passagem só de ida, mas nenhum foi maior do que me aceitar solta no mundo. É engraçado o quanto a Diáspora nos tirou casa pra nos colocar em porões, nós, as próprias deusas das ventanias, das águas, das matas, das guerras e dos caminhos. O quanto essa saga forçada ainda nos impede de traçar novos rumos e o tanto que a gente aprende a agradecer por méritos que são só nossos, apesar de sabermos a mágica que fazemos todos os dias para continuar existindo no mundo.
Conseguir colocar meu corpo para jogo trouxe um pouco mais do meu poder para as minhas mãos e cada vez isso se torna mais concreto porque além de repetir o quanto eu sou forte, inteligente, especial e capaz de resolver os meus próprios problemas eu realmente vivo isso todos os dias.
Traçar as rotas entre grandes e pequenas cidades, estar atenta às peculiaridades de onde eu escolho ficar, fazer o dinheiro render entre transporte, comida, rolê e cuidado pessoal, fazer amigos para além de uma mesa de bar, escutar as histórias das pessoas e contar as minhas, sentir o poder dos abraços inesperados, determinar quando ir e quando ficar, testar os limites físicos e emocionais são tecnologias extraordinárias que eu não sabia que dominava tão bem.
Ainda assim, algumas roupas brancas estão junto comigo, mas como elas vão ficando encardidas e eu não tenho lá muita disposição para esfregar, vão saindo do meu convívio. A estrada me trouxe o conforto do escuro iluminado só por estrelas, do barro até a canela e das nuvens de poeira.
Um ou outro pensamento sem cor vão caindo por terra e firmada em negra tradição oral eu vou junto com os nossos construindo saberes cheios de axé circulando.
A primeira segunda-feira do ano é o dia oficial de começar a cumprir as promessas de ano novo, então bora dar uma voltinha juntas? Não tá tendo promessa melhor que cumprir o nosso destino da forma brilhante que a gente faz!
Chama!
*Pôr-do-sol na comunidade quilombola do Macuco, em Minas Novas – MG
Olá, eu sou a Thainá, uma das correspondentes desse projeto incrível que é o Bitonga! Depois de muitas caronas, histórias e amizades pelo mundo na minha primeira viagem internacional, percebi que admirar e incentivar o corpo negro em movimento pelo mundo, era a história que eu gostaria de ver sendo contada muitas e muitas vezes.
Em 2018, antes de encerrar o ciclo da graduação, tomei a decisão de unir meu maior medo com o meu maior sonho. Prestes a me formar em Turismo na USP, sonhava com uma grande viagem, mas tinha medo por não conseguir me comunicar em inglês. Até aquele período. O resultado disso foi a minha primeira viagem internacional que durou 71 dias. Depois de muita pesquisa e pouco dinheiro, trabalhei em troca de hospedagem e alimentação em Malta (através do Workaway).O local, além de alugar acomodações pelo Airbnb, também funcionava como um centro holístico de meditação e yoga, nunca tinha me envolvido com essas atividades no Brasil, mas estava disposta à aprender.
Apesar do choque inicial de conviver com um novo idioma 24h por dia, com o tempo, eu fui me adaptando e perdendo o medo, tentava me expressar ainda que com muitos erros e isso foi fundamental pra ter coragem de seguir viajando. Em Malta fiz amigos pra vida toda, tive a oportunidade de ver os jogos da Copa do Mundo com uma comunidade brasileira da ilha e aprendi muito com outras três mulheres que também trabalhavam lá temporariamente, uma moça estadunidense, uma franco-marroquina e uma israelense. Na loucura, com medo e coragem, passei ainda pela França e Espanha, dormindo em sofás de pessoas que se despuseram a me hospedar, e por último ainda estive brevemente no Marrocos.
Depois das experiências vividas, decidi estudar sobre os viajantes afro-brasileiros. Durante toda a viagem nas mais diversas situações, entendia a necessidade da visibilidade da nossa existência em momentos de lazer. Como Turismóloga, agora compreendo o turismo na dinâmica da educação e autoestima cultural, que na prática, pode ser a chave de muitas portas que se abrem, longe de casa.
Uma reflexão sobre as pequenas coisas
Eu queria que a primeira fosse sobre o tanto que a gente pode, mesmo não sendo só querer.
E não, não dá pra largar esse tudo que a meritocracia impõe pra gente e simplesmente botar o pezinho no mundo, mas talvez de pra ir largando aos pouquinhos.
Sentar um dia no quintal da casa da vó mesmo e tomar um sorvete de boa sem lembrar que tem que ir no mercado comprar cândida.
Procurar um centro esportivo com atividade de graça e se inscrever no boxe, mesmo que uma semana ou outra tenha que faltar.
Parar o trabalho por 2 minutos pra tomar água na hora que tem que tomar.
A gente não pode perder a noção do quanto a gente é revolucionário e quanto menos privilégio a gente tem, mais revolucionário ainda.
A gente tem mais ainda que aprender a fortalecer quem a gente é e quem corre no caminho do “bem” junto com gente e se deixar inspirar e ser ajudado por quem tá se colocando pra fazer nosso caminho menos difícil (mas isso já dá outro textão por si só, então deixa pra mais pra frente, tem tempo!)
Por enquanto, tá tudo tranquilo nesse pedacinho do (meu) paraíso que é Belo Horizonte <3
(a igrejinha da Pampulha tá em reforma, mas ainda tem bastante bar, então pode vir HAHA)
Belissa Andrade (@bpassarinha)
5 dicas negras para uma boa viagem de BR
Olá meninas, sou sua correspondente de BR. Trago dicas de 10 anos de viagem.
1º passo: para a primeira viagem de carona na BR, com tudo funcionando bem, você dará um boi para entrar e outro para sair. Então na primeira vez vá junto de alguém que já o fez e que já sabe. De preferência, outra mulher. Há diferenças estereotípicas em relação ao padrão. Acompanho a Bitonga Travel e futuramente falarei mais disto.
2º passo: Uma mala leve, um corpo voando. Invista em itens levem e práticos que tenham mais de uma funcionalidade. Como aquela kapulana que é uma canga, uma toalha, um lençol e um turbante ao mesmo tempo.
3º passo: Antes de sair, saiba os postos de gasolina que pretende parar. Eles ficam em grandes cidades, nem toda cidade tem um posto frequentável. Lembre-se, a referência é o caminhão, não o automóvel. O site hitchwiki colabora com mapas, recomendações e marcações exatas de como encontrar os melhores postos.
4º passo: Faça rotas populares indicadas pelos caminhoneiros em postos, não gaste tempo saindo de sua rota, isso pode prolongar a sua viagem. Se existem dois caminhos para descer a Bahia, vá no mais popular e economize tempo pedindo carona. Infelizmente, neste caso, a 1ª impressão é tudo. E você, uma mulher negra, também é tudo. Quebre esteriótipos sendo natural.
5º passo: Quilometragem. Um caminhão faz 400km por hora direto. Não gaste tempo parando de cidade em cidade. Sonhe grande, seja objetiva, mas lembre-se: o caminhoneiro a priori pode só querer 4 horas de companhia. Comente com ele seu destino final, se tudo correr bem e ele for para lá, você já tem o outro meio de caminho andado.
– Se eu tenho medo? Tenho. Tenho mesmo. Mas também tenho coragem. E coragem nada mais é que o próprio medo, em movimento. Bons caminhos e me conte tudo!
- Mary Ellen (@americaspretas)
Um pedacinho do Chile
Olá, eu sou a Maya, fui convidada para fazer parte deste grupo de mulheres, chamado Bitonga, tendo como objetivo incentivar as mulheres negras a viajarem. Com muito prazer eu aceitei e vim falar um pouquinho da minha experiência em viagens. Não são muitas, mas graças a Deus pude viajar para dois países, países estes cujo há um em especial.
Fui conhecer um pedacinho do Chile, pretendo voltar em breve pra conhecer a outra parte, é claro.
Bom, resolvi viajar com uns amigos do trabalho e planejamos tudo, não tínhamos muito tempo devido o trabalho tomar grande parte da nossa atenção, mas mesmo assim decidimos ir. E foi incrível, eu particularmente amo a cultura latina, amo o idioma, os nativos, os lugares, sendo assim optei por ele. Um país alegre, dançante e cheio de lugares interessantes, visitei o Cajon Del Maypo que é simplesmente maravilhoso, traz uma sensação de paz imediata, a paisagem agrada qualquer pessoa do mundo e principalmente, o lugar é simplesmente apaixonante. Pude ver o centro e a cultura do país, não muito a fundo devido ao tempo, mas eu percebi que eles são bem acolhedores e nos aceitam sem nenhum preconceito, sem ter xenofobia.
Outro lugar que foi ótimo conhecer, foi o Valle Nevado, conhecer a neve, acredito que seja um dos sonhos de muitos brasileiros, uma sensação realmente mágica, pois mexe com você aquela vista, o friozinho e a neve branca. Eu recomendo a viagem a qualquer pessoa, faltam lugares que eu pretendo ir ainda, mas pude conhecer um pedacinho. Falando em valores, sei que não é o objetivo, mas eu tenho que dizer que com pouco se faz muito, planeje-se e realize o seu sonho de viajar, mesmo que esse sonho não seja outro país, seja no interior, em uma cidade, onde for. Só viagem e sintam a energia que é conhecer outros lugares, outras culturas e outras pessoas.