Ela veio do Planeta Fome, também conhecido como Vila Vintém. Ou qualquer comunidade pobre feita por pessoas pretas na diáspora brasileira.
Quando eu era menina, ela me assustava. Sua voz rasgava minha alma de uma maneira que eu não conseguia entender. Precisei amadurecer para compreender Elza.
Talvez seja essa uma marca do lugar que nos pariu, eu tampouco me identificava com Padre Miguel até compreender que minha estranheza também era filha daquele chão.
A mesma Mocidade que nos embalou, demorou mais de 80 anos para reverenciar o talento de Elza. As filhas estranhas levam mais tempo para pertencer.
Mas a mulher saiu de dentro de cada uma de nós e foi assim que se deu nosso reencontro.
E Elza nos ensinou a uivar, grunhir, trazer a rispidez mais profunda da alma trabalhada em lata dágua na cabeça como resistência.
Do cóccix ao pescoço bradou o preço que era colocado em pessoas como ela, e como todos nós reescrevemos, um dia compreendeu sua própria grandeza e gritou veemente: Deus é mulher.
Cantou apaixonadamente por seus amantes e abraçou o luto de cada mãe que perdeu seu guri.
Provocou nos lembrando que se há lugar para o ensino do cordeiro, Exu também deve ter espaço sagrado na escola.
Por sua existência, muitas de nós fomos capazes de trilhar um caminho diferente. Para além do arroz e feijão.
Afirmou que entendeu o quão era incrível, gostosa e interessante já na maior idade. Aquele tempo além do tempo. Sabe lá a revolução que é quando uma mulher preta se enxerga assim no espelho?
Que honra ter existido no mesmo tempo e espaço. Que honra sermos cria do mesmo chão. Que honra te sentir Ancestral.
Segue, rainha, mil nações moldaram sua cara e sua voz será sempre ouvida, dizendo aquilo que ainda se cala.
Clarissa Guelves
Mulher, preta, gorda, viajante, cria do bairro Padre Miguel no Rio de Janeiro. Escritora, e Terapeuta Integrativa, atua cuidando de mulheres brasileiras cidadãs do mundo enquanto projeto de descolonização e aquilombamento.