O ano 2020 foi instituído pela Organização Mundial da Saúde(OMS) e Organização Pan-Americana de Saúde(OPAS), como o ano internacional da Enfermagem e Obstetrícia. Mediante a este marco iremos apresentar ou relembrar 12 enfermeiras negras negligenciadas na história para conhecer.
Não foi à toa que se instituiu este ano para esta celebração, mas por duas razões: o mundo precisa de mais de 9 milhões de enfermeiras(os) e obstetrizes para atingir a meta de cobertura universal de saúde até 2030. E pelo 200º aniversário de nascimento da Florence Nightingale – a fundadora da enfermagem moderna.
No dia internacional da Enfermagem, 12 de maio, escrevo este texto com um histórico racial para que pensemos enfermeiras negras, que talvez não nos contaram nas aulas de história da enfermagem ou que no nosso dia-a-dia são negligenciadas devido seu estereótipo racial.
A enfermagem é conhecida como a arte do cuidar. E vamos trazer o histórico de mulheres negras tiradas forçadamente da África para o mundo, sendo submetidas a situação de escravidão e prestação do cuidado à todas as pessoas da sociedade colonial, em situações de manutenção da saúde ou na doença em todas as etapas do ciclo de vida. Neste contexto de escravidão nota-se que essas mulheres negras muitas vezes eram impedidas de cuidar de outras pessoas escravizadas e familiares, pois o cuidado exercido por estas mulheres negras no período colonial tinha como função social a servidão escravocrata. As mulheres negras prestavam o cuidado como negras domésticas, mães pretas, parteiras, enfermeiras e amas-de-leite.
No Brasil não seria diferente, o cuidado é/era exercido majoritariamente por mulheres negras. Atualmente no país há cerca de 3,5 milhões de profissionais da saúde, e aproximadamente 50% são da enfermagem, destes 86% são mulheres e 53% são negras e negros.
Neste texto gostaríamos de apresentar 12 mulheres negras que atuam como enfermeiras que fizeram e fazem parte da nossa história à nível mundial.
Mary Jane Seacole – Enfermeira negra jamaicana atuante na guerra da Crimeia, isso mesmo, a mesma guerra onde se tem o destaque para Florence Nightingale. Mary aprendeu através dos ensinamentos de sua mãe negra que praticava cuidados através da medicina tradicional, assim como o tratamento aos doentes e combate às doenças endêmicas. Em 1854, inscreveu-se para participar da equipe de enfermagem da Florence para cuidar dos soldados feridos da Guerra da Criméia, porém não foi aceita, apesar das cartas de recomendações dos governos da Jamaica e Panamá.
Um não, não é suficiente para barrar uma mulher negra, Mary Seacole arrecadou fundos para viajar por conta própria à frente de batalha. Com o dinheiro que obteve montou o British Hotel onde vendia comida e bebida aos soldados para custear as despesas do atendimento a doentes e feridos dos dois lados, teve como nome – Mãe Seacole.
Mary foi ignorada no Memorial da Guerra da Criméia, em Londres em 1915, até ter sua autobiografia encontrada em um sebo. Onde foi homenageada no Reino Unido e na Jamaica, onde dá nome à sede da Associação Jamaicana de Enfermagem.
Ressaltamos a história de Mary Elisa P. Mahoney, primeira mulher negra americana diplomada enfermeira pelo New England Hospital for Women and Children, em Boston
Na história Brasileira, também temos a guerra e neste caso a do Paraguai e a enfermeira branca destaque – Ana Neri a percussora da Enfermagem no Brasil, como destacado na literatura. A guerra do Paraguai se deu no período da escravidão, ou seja, muitas mulheres negras enfermeiras estavam envolvidas porém com suas histórias negligenciadas.
Maria Jose Barroso, depois conhecida como “Maria Soldado” foi uma notória enfermeira de guerra. Atuou na guerra civil da revolução constitucionalista de 1932, inicialmente, seus feitos e posicionamento político eram exercidos como “enfermeira” da Legião Negra, posteriormente passando a atuar na linha de frente de batalha. Maria Soldado, é considerada a precursora da enfermagem moderna no Brasil. A mesma não ingressou em uma instituição de nível superior para diplomação em Enfermagem, pois não tinha os requisitos de ser a mulher ideal para compor a enfermagem profissional no Brasil por não ser “branca, culta, jovem e saudável”, assim excluía – se as mulheres negras.
A profissão de enfermeira para mulheres negras no Brasil foi negada durante 2 décadas 1920 e 1930, ou seja, na primeira escola de enfermagem, Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, pertencendo à Universidade do Rio de Janeiro – UNI-RIO, mulheres negras não eram bem-vindas.
Lydia das Dores Matta, Josephina de Melo, Lucia Conceição e Maria de Lourdes Almeida no ano 1943 na cidade de São Paulo, são as primeiras negras oriundas de estados pobres e distantes a ingressarem no Curso Básico de Enfermagem na Universidade de São Paulo, a escola de maior projeção da América Latina na época a ingressarem na universidade assim como formam-se en Enfermagem. A escola de enfermagem da USP foi criada em 1940, 3 anos depois ingressam as primeiras negras a cursar a universidade.
Rosalda Paim iniciou o curso em Enfermagem em 1947 pela Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa – EEAAC da Universidade Federal Fluminense – UFF, na época denominada Escola de Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro, graduando – se em 1950. Com um currículo invejável de especializações, visava romper com o modelo hegemônico curativista a o trazer conceitos que ainda não eram discutidos e utilizados no sistema de saúde como, integralidade, humanização, hierarquização dos serviços, referência e contra-referência.
A trajetória profissional de Rosalda Paim é norteada por marcos teóricos, sociais e políticos da virada do século XX para o XXI no Brasil e no Estado do Rio de Janeiro, de modo que a mesma teve um papel de destaque no processo de modernização da enfermagem brasileira, na formação do enfermeiro e profissionais de saúde, na democratização brasileira e na mudança de paradigma na atenção em saúde.
Rosalda Paim, a primeira enfermeira parlamentar e negra do Brasil, exerceu o mandato de Deputada Estadual do Rio de Janeiro, pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT no período de 1983 a 1987. Utilizando-se de sua formação em educação, saúde e enfermagem Paim criou e teve aprovada 20 leis na área de saúde e assistência social, assim ela exerceu uma atuação política notória e importante para a sociedade carioca e brasileira.
A enfermeira negra Izabel Santos iniciou sua trajetória profissional no Serviço Especial de Saúde Pública – SESP ligado a Opas – Organização Panamericana de Saúde na década de 50, onde atuou por 20 anos, posteriormente passou a integrar o quadro de professores Universidade Federal de Pernambuco – UFPB e por fim retoma seu vínculo com a OPAS em 1976, onde atuou como consultora até 1997, assessorando o Ministério da Saúde. A sua contribuição de maior destaque está na formação profissional de enfermagem, sobretudo no nível técnico com a idealização do Programa de Qualificação de Auxiliares e Técnicos de Enfermagem – PROFAE.
Maria Stella de Azevedo dos Santos – Iyalorixá mãe Stella de Oxóssi, iniciou a graduação de enfermagem aos 15 anos de idade, tornou-se enfermeira pela Escola de Enfermagem e Saúde Pública da Universidade Federal da Bahia – UFBA. Após sua formatura especializou-se em Saúde Pública e passou integrar o quadro de enfermeiras sanitaristas da Secretária de Saúde do Estado da Bahia – SESAB em um Centro de Saúde.
Enfermeira e Iyalorixá torna-se imortal em 12 de setembro de 2013 ao assumir a cadeira de número 33 na Academia de Letras da Bahia após ser eleita por unanimidade. Por essa cadeira que tem o poeta Castro Alves como patrono, já foi ocupada pelo seu amigo, o também escritor Ubiratan Castro de Araújo
Dona Ivone Lara formou-se pela Faculdade de Enfermagem do Rio (atualmente Faculdade Alfredo Pinto, da UNIRIO). Dedicou-se intensamente à profissão, especialmente à Saúde Mental. Costumava percorrer as enfermarias e pavilhões do Instituto Psiquiátrico Pedro II em busca das histórias, referências e laços familiares dos pacientes. Era uma rotina, que além de dar-lhe satisfação, fazia parte do tratamento terapêutico.
Prestou concurso público para o Ministério da Saúde em 1942, antes de ingressar na Colônia Juliano Moreira, onde atuou por mais de três décadas com pacientes afetados por graves transtornos mentais. Fazia plantões de 24/48 horas que, segundo ela, eram desgastantes, mas, ao mesmo tempo, muito gratificantes já que ajudavam a diminuir o sofrimento dos que procuram as unidades públicas de saúde.
Atuou com Nise da Silveira, psiquiatra brasileira que rebelou-se contra a lobotomia, eletrochoques e outros métodos agressivo de tratamento de Saúde Mental, defendendo um tratamento humanizado da loucura. Com Nise, especializou-se em terapia ocupacional.
Soube combinar a música e as habilidades de enfermeira para ajudar seus pacientes a enfrentar transtornos mentais. A música funcionava como um bálsamo consolador nas inúmeras festas que promovia com suas colegas de trabalho. Ela cantava e dançava com os pacientes e, assim, transformava aquela rotina, tantas vezes esgotantes, em momentos de felicidade.
E não poderia deixar de mencionar as duas ex-esposas de Mandela que se formaram enfermeiras Winnie Mandela e Evelyn Mase, mas essas histórias ficarão para outro texto.
Não há dúvidas que na nossa história existem muitas enfermeiras negras que fizeram e fazem história e que tem importância política nesta atuação, dispondo-se para serviços de guerras, endemias, pandemias, assim como atuação nas atividades científicas, hospitalares e nas comunidades.
Que essa profissão seja reconhecida e valorizada e com o seu devido destaque para a questão de gênero e raça.
Referência para esse texto foi o excelente estudo de graduação de Cláudio Bonfim de Oliveira Nascimento Junior: BLACK LADIES NURSES?! SIM: Enfermeiras negras e a construção da identidade da Enfermagem no Brasil
Muito interessante e importante lembrar da nossa história por meio dessas enfermeiras negras. Traz muita emoção de ler.
Oh Maria, perfeito!! Que bom que estamos indo no caminho certo, não deixemos a nossa história morrer.
Enfermeiras negras invisibilizadas – fruto do racismo. Lamentável… Até hoje, nos negam conhecer essas mulheres e suas contribuições para a enfermagem nos cursos técnicos, de graduação e pós-graduação de enfermagem. Até quando o racismo irá prevalecer nos currículos dos cursos de enfermagem?