Rota dos Quilombos - MG - foto arquivo pessoal de Belisa Andrade

Vamos falar de Afroturismo? A Rota dos Quilombos – MG

Antes de tudo, não foi por acaso que eu, Belisa Andrade encontrei a Rota dos Quilombos. Há algum tempo busco me reconhecer nas raízes que me formam. Por isso voltar ao quilombo é minha forma física de demonstrar gratidão pela liberdade e saciar a ansiedade de me conectar com a tradição.

Ao entrar em contato pelo e-mail após ver o vídeo da Folha de São Paulo no YouTube e encontrar a página no Facebook. Nesse sentido, plantei aquela sementinha pro universo me ajudar a regar, e não é que deu flor?

Esperava encontrar uma paisagem bonita, o sol se pondo já no meio da serra, vermelho pra não destoar da paleta de cores que essa parte do Vale do Jequitinhonha assume na época de seca. Foi uma bela de uma surpresa de boas-vindas, acima de qualquer expectativa. Aguçou ainda mais minha vontade de chegar logo para me encontrar com partes da minha ancestralidade que eu já sabia que não ia conseguir acessar fora dali.

Um pouquinho mais dos caminhos e cores do Macuco e do nossa mata de transição entre cerrado e caatinga - foto arquivo pessoal de Belisa Andrade
Um pouquinho mais dos caminhos e cores do Macuco e do nossa mata de transição entre cerrado e caatinga MG- foto arquivo pessoal de Belisa Andrade

As comunidades Quilombolas na Rota dos Quilombos

Dá pra sentir o carinho enorme das pessoas desde o primeiro oi. Se em cidade grande o cumprimento mais carinhoso é jogar dois beijinhos pro ar. Em quilombo tem olhos brilhando e abraço apertado a moda da roça: tem que encostar coração com coração. E aí parece que alguma coisa já se conecta e faz a timidez dos dois lados ir desaparecendo e a conversa flui.

No meio dos assuntos, a sede de mostrar o quanto é bom viver ali, sem romantizar as dificuldades. As comunidades são de difícil acesso e o descaso do poder público é bem claro na falta de pavimentação de várias vias, inclusive estradas federais, e nos problemas recorrentes de abastecimento de água, não esquecendo de como o agronegócio tem sido nocivo para a manutenção dos biomas do cerrado, mata de transição e caatinga.

Além disso, boa parte dos quilombolas passa longo período do ano trabalhando nas plantações no sul de Minas e em São Paulo, o que é a principal causa da dificuldade de se manter a cultura viva.

Poucas vezes na vida vi e ouvi tanta realidade e eloqüência em cada fala. Os livros dizem que aqui é o Vale da Miséria, mas só é se você tiver uma idéia muito restrita do que é riqueza. O que eu vi foi senso de coletividade funcionando e valores muito acima do dinheiro. As trocas vão além dos olhares.

A essência das comunidades

Cada comunidade é especial por sua própria essência. Na sabedoria de mato a gente ganha em cada passo das caminhadas ecológicas, os pontos nas colchas e bolsas artesanais em alguns quilômetros se transformam em diferentes trançados em palha e couro. E “logo ali” ainda dá pra ver artesanato em argila e tambores feitos apenas de madeira já deitada. Tem piquenique em praia de rio, tem cheiro e sabor de feira livre e muitas festas, tudo isso envolto em uma teia de histórias e numa relação de pertencimento que só mesmo a força desse território explica.

Rota dos Quilombos - foto arquivo pessoal de Belisa Andrade
Rota dos Quilombos – Associação de artesanato em Coqueiro Campo -foto arquivo pessoal de Belisa Andrade

As lembranças…

Acima de tudo o que fica gravado nas lembranças é o sabor da simplicidade em cada receptivo familiar, em cada café-da-manhã com quitanda, em cada almoço e jantar, claro, os quilos a mais depois da Expedição mostram quanto carinho cada prato carrega. A comida é rebuscadamente simples. O gosto de casa do arroz com feijão, a couve cortada tão fininha que quase se perde no meio da salada, mamão verde refogado com bastante urucum, aquele cuidado todo com o feijão-andu, muita farinha e pimenta queimando do vermelho até o amarelo. E tudo isso só dentro do mundo vegetariano, porque também tem galinha caipira pra quem quiser algo mais carnívoro.

  • Uma vista dos caminhos da comunidade quilombola de Macuco
  • Quitanda entrando no forno!

Já com saudades, a musicalidade do sotaque é a última sensação que não vai me deixar. É mineiro sim, uai, mas talvez os tambores do congado marquem ritmos para além das festanças.

Por fim, a Rota dos Quilombos acontece no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, passa por comunidades quilombolas nas cidades de Berilo, Chapada do Norte e Minas Novas.

Que tal conhecer o Afroturismo da Rota dos Quilombos?

Contato: Redetur – Rede de Apoio Integrado ao Turismo de Base Comunitária da Rota dos Quilombos

E-mail: turismoquilombolamg@gmail.com

Instagram: @rotadosquilombos

Firmamento

Saiu sabendo sua saga. Era tudo, além disso não fazia ideia.

Não andou muito até o primeiro tropeço: olhos embaralhados, mãos nadando no ar, chão, pelo menos agora tudo faz sentido. Seguiu com os joelhos ralados de lembrança e preto (não muito) velho deu a lição: ocê cai porque ocê não pisa firme. Coragem, menina! Ocê já tá longe…

Sarou. Não esqueceu.

Andava pelo fim do mundo procurando o tal firmamento pra guardar na mochila e usar quando precisasse. Passou a caminhar mais devagar, que a noção de tempo, a própria noção do que era ganhar tempo foi ficando lenta e cheia de pequenas paradas pra observar. Trançava as pernas para se sintonizar ao ritmo dos encontros. Falava pausadamente e ouvia prestando atenção ao sotaque e à sabedoria de cada oração que a ela se dirigia. Respondia amem, quanto mais plural, melhor.

Correr mesmo só em beira de água que a pressa sempre era grande pra ser mar ou rio. Era água-viva quando cansava de ser borboleta.

Se percebeu nas outras. Enquanto fosse possível, permanecia junto dos pedaços de alma espalhados em outras pessoas. E ia costurando constelações.

Em fim de jornada emendou outra e outra e outra. Na verdade, era tudo uma só.

Não sabia que tava dentro do globo espelhado, mas não parou mais quando começou a se balançar sobre ele.

A legenda da foto:

Mais uma das pequenas filósofas que eu encontro por aí: Eu gosto do pôr-do-sol daqui porque parece que o céu tá assim pegando fogo!

Em Boipeba – BA

Cores

A gente veste branco pela paz, pela pureza, pela tranquilidade e pela elegância. Mamaim adora exibir filhote com o tenis branquinho. Tem comercial na TV vendendo o branco mais branco. Mas na mochila ele tem me trazido mais preocupação que solução, será que é assim na “vida real”?

Não faz muito tempo eu vestia branco toda segunda-feira. Sufocava o arco-íris que queria sair pela boca e me abrigava na alvejada tranquilidade da vida estável. Eu era feliz de outros jeitos: na sexta-feira, nos aniversários, nos parques, nos sucos e cervejas, com qualquer coisa que desse um corzinha e tentava diminuir a consciência da paleta reduzida pela rotina.

Claramente eu buscava me reservar aos lugares que me eram determinados, apesar de quase nunca caber. Porque, ainda que seja sem consciência, a matrilinearidade transborda em nós e mulher preta na bicicleta ou em nave espacial é sempre mais do que isso.

Foram vários desafios antes de subir no primeiro ônibus com a passagem só de ida, mas nenhum foi maior do que me aceitar solta no mundo. É engraçado o quanto a Diáspora nos tirou casa pra nos colocar em porões, nós, as próprias deusas das ventanias, das águas, das matas, das guerras e dos caminhos. O quanto essa saga forçada ainda nos impede de traçar novos rumos e o tanto que a gente aprende a agradecer por méritos que são só nossos, apesar de sabermos a mágica que fazemos todos os dias para continuar existindo no mundo.

Conseguir colocar meu corpo para jogo trouxe um pouco mais do meu poder para as minhas mãos e cada vez isso se torna mais concreto porque além de repetir o quanto eu sou forte, inteligente, especial e capaz de resolver os meus próprios problemas eu realmente vivo isso todos os dias.

Traçar as rotas entre grandes e pequenas cidades, estar atenta às peculiaridades de onde eu escolho ficar, fazer o dinheiro render entre transporte, comida, rolê e cuidado pessoal, fazer amigos para além de uma mesa de bar, escutar as histórias das pessoas e contar as minhas, sentir o poder dos abraços inesperados, determinar quando ir e quando ficar, testar os limites físicos e emocionais são tecnologias extraordinárias que eu não sabia que dominava tão bem.

Ainda assim, algumas roupas brancas estão junto comigo, mas como elas vão ficando encardidas e eu não tenho lá muita disposição para esfregar, vão saindo do meu convívio. A estrada me trouxe o conforto do escuro iluminado só por estrelas, do barro até a canela e das nuvens de poeira.

Um ou outro pensamento sem cor vão caindo por terra e firmada em negra tradição oral eu vou junto com os nossos construindo saberes cheios de axé circulando.

A primeira segunda-feira do ano é o dia oficial de começar a cumprir as promessas de ano novo, então bora dar uma voltinha juntas? Não tá tendo promessa melhor que cumprir o nosso destino da forma brilhante que a gente faz!

Chama!

*Pôr-do-sol na comunidade quilombola do Macuco, em Minas Novas – MG

Olá, eu sou a Thainá, uma das correspondentes desse projeto incrível que é o Bitonga! Depois de muitas caronas, histórias e amizades pelo mundo na minha primeira viagem internacional, percebi que admirar e incentivar o corpo negro em movimento pelo mundo, era a história que eu gostaria de ver sendo contada muitas e muitas vezes. 

Em 2018, antes de encerrar o ciclo da graduação, tomei a decisão de unir meu maior medo com o meu maior sonho. Prestes a me formar em Turismo na USP, sonhava com uma grande viagem, mas tinha medo por não conseguir me comunicar em inglês. Até aquele período. O resultado disso foi a minha primeira viagem internacional que durou 71 dias. Depois de muita pesquisa e pouco dinheiro, trabalhei em troca de hospedagem e alimentação em Malta (através do Workaway).O local, além de alugar acomodações pelo Airbnb, também funcionava como um centro holístico de meditação e yoga, nunca tinha me envolvido com essas atividades no Brasil, mas estava disposta à aprender. 

Apesar do choque inicial de conviver com um novo idioma 24h por dia, com o tempo, eu fui me adaptando e perdendo o medo, tentava me expressar ainda que com muitos erros e isso foi fundamental pra ter coragem de seguir viajando. Em Malta fiz amigos pra vida toda, tive a oportunidade de ver os jogos da Copa do Mundo com uma comunidade brasileira da ilha e aprendi muito com outras três mulheres que também trabalhavam lá temporariamente, uma moça estadunidense, uma franco-marroquina e uma israelense. Na loucura, com medo e coragem, passei ainda pela França e Espanha, dormindo em sofás de pessoas que se despuseram a me hospedar, e por último ainda estive brevemente no Marrocos. 

Depois das experiências vividas, decidi estudar sobre os viajantes afro-brasileiros. Durante toda a viagem nas mais diversas situações, entendia a necessidade da visibilidade da nossa existência em momentos de lazer. Como Turismóloga, agora compreendo o turismo na dinâmica da educação e autoestima cultural, que na prática, pode ser a chave de muitas portas que se abrem, longe de casa.

Uma reflexão sobre as pequenas coisas

Eu queria que a primeira fosse sobre o tanto que a gente pode, mesmo não sendo só querer.

E não, não dá pra largar esse tudo que a meritocracia impõe pra gente e simplesmente botar o pezinho no mundo, mas talvez de pra ir largando aos pouquinhos.

Sentar um dia no quintal da casa da vó mesmo e tomar um sorvete de boa sem lembrar que tem que ir no mercado comprar cândida.

Procurar um centro esportivo com atividade de graça e se inscrever no boxe, mesmo que uma semana ou outra tenha que faltar.

Parar o trabalho por 2 minutos pra tomar água na hora que tem que tomar.

A gente não pode perder a noção do quanto a gente é revolucionário e quanto menos privilégio a gente tem, mais revolucionário ainda.

A gente tem mais ainda que aprender a fortalecer quem a gente é e quem corre no caminho do “bem” junto com gente e se deixar inspirar e ser ajudado por quem tá se colocando pra fazer nosso caminho menos difícil (mas isso já dá outro textão por si só, então deixa pra mais pra frente, tem tempo!)

Por enquanto, tá tudo tranquilo nesse pedacinho do (meu) paraíso que é Belo Horizonte <3

(a igrejinha da Pampulha tá em reforma, mas ainda tem bastante bar, então pode vir HAHA)

Belissa Andrade (@bpassarinha)