A gente veste branco pela paz, pela pureza, pela tranquilidade e pela elegância. Mamaim adora exibir filhote com o tenis branquinho. Tem comercial na TV vendendo o branco mais branco. Mas na mochila ele tem me trazido mais preocupação que solução, será que é assim na “vida real”?
Não faz muito tempo eu vestia branco toda segunda-feira. Sufocava o arco-íris que queria sair pela boca e me abrigava na alvejada tranquilidade da vida estável. Eu era feliz de outros jeitos: na sexta-feira, nos aniversários, nos parques, nos sucos e cervejas, com qualquer coisa que desse um corzinha e tentava diminuir a consciência da paleta reduzida pela rotina.
Claramente eu buscava me reservar aos lugares que me eram determinados, apesar de quase nunca caber. Porque, ainda que seja sem consciência, a matrilinearidade transborda em nós e mulher preta na bicicleta ou em nave espacial é sempre mais do que isso.
Foram vários desafios antes de subir no primeiro ônibus com a passagem só de ida, mas nenhum foi maior do que me aceitar solta no mundo. É engraçado o quanto a Diáspora nos tirou casa pra nos colocar em porões, nós, as próprias deusas das ventanias, das águas, das matas, das guerras e dos caminhos. O quanto essa saga forçada ainda nos impede de traçar novos rumos e o tanto que a gente aprende a agradecer por méritos que são só nossos, apesar de sabermos a mágica que fazemos todos os dias para continuar existindo no mundo.
Conseguir colocar meu corpo para jogo trouxe um pouco mais do meu poder para as minhas mãos e cada vez isso se torna mais concreto porque além de repetir o quanto eu sou forte, inteligente, especial e capaz de resolver os meus próprios problemas eu realmente vivo isso todos os dias.
Traçar as rotas entre grandes e pequenas cidades, estar atenta às peculiaridades de onde eu escolho ficar, fazer o dinheiro render entre transporte, comida, rolê e cuidado pessoal, fazer amigos para além de uma mesa de bar, escutar as histórias das pessoas e contar as minhas, sentir o poder dos abraços inesperados, determinar quando ir e quando ficar, testar os limites físicos e emocionais são tecnologias extraordinárias que eu não sabia que dominava tão bem.
Ainda assim, algumas roupas brancas estão junto comigo, mas como elas vão ficando encardidas e eu não tenho lá muita disposição para esfregar, vão saindo do meu convívio. A estrada me trouxe o conforto do escuro iluminado só por estrelas, do barro até a canela e das nuvens de poeira.
Um ou outro pensamento sem cor vão caindo por terra e firmada em negra tradição oral eu vou junto com os nossos construindo saberes cheios de axé circulando.
A primeira segunda-feira do ano é o dia oficial de começar a cumprir as promessas de ano novo, então bora dar uma voltinha juntas? Não tá tendo promessa melhor que cumprir o nosso destino da forma brilhante que a gente faz!
Chama!
*Pôr-do-sol na comunidade quilombola do Macuco, em Minas Novas – MG
Olá, eu sou a Thainá, uma das correspondentes desse projeto incrível que é o Bitonga! Depois de muitas caronas, histórias e amizades pelo mundo na minha primeira viagem internacional, percebi que admirar e incentivar o corpo negro em movimento pelo mundo, era a história que eu gostaria de ver sendo contada muitas e muitas vezes.
Em 2018, antes de encerrar o ciclo da graduação, tomei a decisão de unir meu maior medo com o meu maior sonho. Prestes a me formar em Turismo na USP, sonhava com uma grande viagem, mas tinha medo por não conseguir me comunicar em inglês. Até aquele período. O resultado disso foi a minha primeira viagem internacional que durou 71 dias. Depois de muita pesquisa e pouco dinheiro, trabalhei em troca de hospedagem e alimentação em Malta (através do Workaway).O local, além de alugar acomodações pelo Airbnb, também funcionava como um centro holístico de meditação e yoga, nunca tinha me envolvido com essas atividades no Brasil, mas estava disposta à aprender.
Apesar do choque inicial de conviver com um novo idioma 24h por dia, com o tempo, eu fui me adaptando e perdendo o medo, tentava me expressar ainda que com muitos erros e isso foi fundamental pra ter coragem de seguir viajando. Em Malta fiz amigos pra vida toda, tive a oportunidade de ver os jogos da Copa do Mundo com uma comunidade brasileira da ilha e aprendi muito com outras três mulheres que também trabalhavam lá temporariamente, uma moça estadunidense, uma franco-marroquina e uma israelense. Na loucura, com medo e coragem, passei ainda pela França e Espanha, dormindo em sofás de pessoas que se despuseram a me hospedar, e por último ainda estive brevemente no Marrocos.
Depois das experiências vividas, decidi estudar sobre os viajantes afro-brasileiros. Durante toda a viagem nas mais diversas situações, entendia a necessidade da visibilidade da nossa existência em momentos de lazer. Como Turismóloga, agora compreendo o turismo na dinâmica da educação e autoestima cultural, que na prática, pode ser a chave de muitas portas que se abrem, longe de casa.